quinta-feira, 29 de julho de 2010

Angústia Necessária.


Colocou o disco para tocar novamente. Aqueles velhos e cansados acolhedores das dores de cotovelo dela. Sentiu o piano invadir a sala de estar. Sentiu as cortinas dançarem a canção repetidamente. Sentiu o arrepio causado pelo sussurro de uma voz mansa que saia da vitrola. Quis dançar junto aos tecidos. Mas apenas ouvia. Deixava seu corpo cansado no chão, nos móveis, nas paredes para que de alguma forma, imaginária, talvez, um príncipe montado num cavalo branco a levasse daquele lugar monótono. Nada de cavalos nem muito menos príncipe. Ela esperou por mais duas músicas repetidas. Sua garganta já gritava a falta de umidade. Quis beber água. Quis fumar outro cigarro. No entanto, a preguiça e o desânimo foram maiores que a forçaram de permanecer intacta no tapete chinês, nos lençóis de seda, nas toalhas de renda, nos quadros cubistas. Nas suas extremidades, o gelo do vento que entrava entre as fibras e espaços nos passos de dança das bailarinas de seda fez uma escultura dos seus membros. Já no seu busto, o gelo de seu peito rasgou-lhe o pescoço e dilacerou seu colo. Nenhuma dor. Ironia. Apenas vontade de ouvir mais uma música. Permanecer no frio por mais alguns minutos. Deixar-se enlouquecer pelas mesmas canções que corriam pelo quarto. Deixar-se morrer pela vontade seca de fumar e beber água ou alguma outra coisa sentimental. Por mais irracional que isso seja, ela o fez. E assim, mais uma vez tocou aquela música que a acolhia sem nenhum pranto. Só na necessidade de permanecer na merda por mais alguns instantes.

Júnior!

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Descanso.

Agora eu posso deitar nesse verde. Tocar na grama e sentir todos os grãos derramados pelos pássaros. Sentir o cheiro roxo da amoreira carregada de frutos. Saborear o azul das nuvens formando desenhos enigmáticos. Dançar com o vento a valsa silenciosa e fresca no meu rosto. Queimar o sol nas minhas bochechas róseas estragadas pela juventude. Esfriar os meus pés no orvalho da manhã tão sadia.

Agora eu posso esperar a noite chegar sem nenhuma preocupação. Sem medo do escuro e dos monstros que me disseram existir debaixo da cama. Posso contar as estrelas com o dedo sem a luz da cidade que vem interromper seus brilhos. Sentir o cheiro de maresia que entra nos meus olhos e me faz lacrimejar. Correr desnudo pela areia dessa praia de olhos fechados para não ver a repressão dos outros olhos secos.

Agora eu posso dançar livremente pelas praças. Pendurar-me nas árvores para tirar frutas frescas. Flutuar no riacho que me aconselharam não entrar. Acolher as flores mais lindas do meu jardim agora bem cuidado. Expor meu riso pelas calçadas e ruas molhadas de calmaria. Esquecer do tempo antes de voltar para casa nos meus carnavais.

Agora eu posso terminar de pintar meus quadros surreais com as cores mais vivas que encontrar. Limpar meu relicário e enfeitá-lo com sonhos bons. Comer essas besteiras que minha mãe sempre me prevenia comer quando eu era criança. Curtir essas chuvas de fim de verão morninho. Cuidar da minha plantação de tulipas no quintal de casa. Fazer meu balanço de pneu tão esperado. Terminar de compor minhas músicas sem nenhum ruído de tristeza. Limpar meus livros empoeirados e lê-los novamente. Olhar-me no espelho. Não ver minhas marcas e dizer o quanto me sinto aliviado.

Júnior!

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Congestionada.


Acho que devia pensar menos no pensar, sabe? É confuso parar de alimentar meu cérebro, mas eu devia, mesmo assim, tentar estagnar essas lembranças e projeções mal sucedidas que coçam minha cabeça. Não sei ao certo quando é o momento exato que elas me invadem no meu dia. Mas acho que é quando estou tentando resolver algo e acabar com o que me corta o fio de tranqüilidade nessa minha caixa que eu preferia vazia. Só então poderia dormir melhor, cultivar minhas flores perto da janela, alimentar meu peixe solitário, limpar as pedras empoeiradas que roubei da praia no último descanso.

No fundo, creio que penso mais nessas porcarias. Nessas coisas de amor, tolices do dia-a-dia e no meu próprio futuro. Isso está me perturbando. O que eu não penso é que deveria não esquecer que ando sem amor pra cultivar, com tolices para eliminar de uma vez só junto com esses compromissos que me sufocam, no meu libertar dessas noções de futuro que sempre quis agarrar. Pensar talvez no porque de pensar nessas coisas. Se ao menos eu tivesse como controlar a força do pensamento e deixar tudo menos turvo diante do meu poço de inconstância, eu estaria melhor. Mais confortável e menos pensativo.

Deixaria tudo aos poucos se esvaziar por dentro dos meus olhos. Apagaria essas memórias como um disco regravável. Amenizaria essa enxaqueca que não me deixa dormir. Pensaria um pouco menos no que eu quero ser e com quem eu quero estar. Porque se eu parasse pra pensar no que realmente importa, perceberia que não adianta forçar algo que eu não tenho em mãos. Nada relativo ao amor e ao futuro breve está pra acontecer do jeito que eu quero. Então, não devia eu, me importar com isso. Tenho muito tempo pra pensar no nada, ainda. Devo parar com meu ponto máximo de querer decisões e continuar sentado nessa grama com o sol nas costas me mantendo vivo. Respirar. Abrir a boca e sentir o gosto do vento. Fumar mais um cigarro, talvez. Esclarecer na fumaça o meu modo de pensar para o agora. Desvanecendo-se com as dúvidas.

Júnior!

sexta-feira, 2 de julho de 2010

É o que predomina.


Só quero ficar aqui no meu canto com meus textos e discos já cansados. Com meus desenhos abstratos e meu cinzeiro encardido. Nada de tristeza, por mais que possa parecer. Estou bem aqui, reservado. Estou ouvindo até aquela música que dançávamos juntos. É que dessa vez eu posso te deixar em outros braços porque não vai doer, inflamar ou sangrar. Foi tudo muito bom e sei que foi de verdade. Acho que pude pressentir por cada momento a sua mão na minha naquela poltrona do cinema, seus braços nos meus ombros na madrugada depois dos carnavais, seus olhos cruzando o meu silenciosamente entre os carros em câmera lenta, minha barriga gelar quando você se aproximava quando ia me beijar, minhas maçãs do rosto vermelhas de ciúmes. É, são essas coisas que sempre sentimos quando nos apaixonamos perdidamente. Essas imaginações e absurdos que a física não pode explicar. Essas coisas que nos fazem ficar perdidos nas decisões mais irracionais que não tínhamos antes de nos apaixonarmos. Sei que senti.

Agora sinto que não vou maltratar seu nome depois de tudo. Não vou rasgar suas cartas com aquele perfume doce. Não vou vomitar sua saliva quente guardada no céu da minha boa. Não vou despejar nos bares seus sorrisos mais sinceros. Não vou te matar com minha boca infame pelas praças. Acho que faria isso se ainda fosse aquele menino com medo do amor de um tempo atrás. Hoje eu não sou mais ele. Sinto em dizer que cresci com meu interior e que não vejo o porquê de te maldizer e chorar com sambas tristes de amores acabados. Pra mim nada acabou. Apenas está começando em outros ares, outros bares e em outros braços. Ninguém carregou a culpa e isso é o que me deixa confortável. O amor é que sempre predomina, sabe? Seja ele o meu ou não, o seu ou não. Isso é bom e não é hipocrisia da minha parte. Estamos livres de tudo e presos ao custo de novos risos, olhos, coxas, beijos e abraços. Indo para outros rumos com algo nosso guardado bem lá no cantinho confortável do nosso peito.

Júnior!