segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Bilhete de chuva.

Imagine-me debaixo do seu lençol listrado azul cantarolando com os pingos de chuva que ecoam dentro do seu íntimo. Imagine a minha mão que ainda não foi castigada pelo tempo dançando no teu corpo como se fosse vento nesse espetáculo de águas. Imagine o cheiro das paredes mofando aquela velha saudade que nesse frio convidativo desvanece dentro desse quarto decorado com desenhos infantis. Imagine esse nosso cheiro de suor com o vidro abafando nosso mais intenso desejo. Imagine até mesmo o cheiro disso tudo – da música, da dança, do mofo de saudade.

Se sentir vontade desse nosso amor, depois de conseguir sentir o gosto dessas promessas escondidas entre cigarros e copos de uísque, me avise. Estarei na sua porta gritando nessa chuva. Vou entrar de vez, te invadir o corpo e aquilo onde você guarda tudo e todos com o mais forte carinho e te ter nos meus braços como se fosse os últimos segundos antes da sua partida.

Com sua voz, apenas sei que vou provar o cheiro bom e calmo de terra molhada acompanhado. Vou te materializar subindo pelas minhas pernas e acariciando minhas coxas como se fossem as do melhor homem que um dia você tocou os lábios e as costas e as nádegas e o rosto molhado de chuva.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Ressaca de sonho

Lembro que ontem, pela noite, debaixo daquela lua que cultivei com brilho forte e costurei no teto do meu mundo, você veio me dizendo coisas que eu gostaria de ouvir. Eram palavras doces, emaranhadas em um ninho de delicadeza e compreensão por essa minha dor que eu escondi durante anos. Sem nenhuma ferramenta, você escavou o meu íntimo que até então estava soterrado no sono, ali, dentro daquilo que eu teimo em machucar ainda mais, mais uma vez e quase sempre, e veio me criar esse caos que sinto depois de não ter conseguido dormir direito.

Depois de tudo, depois do dito-não-sentido, depois do mau hábito seu de mastigar cada membro de carne de alguém, você me aparece em casa – a mesmo que eu cuidei pra que não colocasse os pés, a enfeitada com toalhas de cores bem vivas, com cortinas trançadas, com paredes cheias de desenho animado – com a cara lavada de como-se-nada-tivesse-acontecido.

Sentei por alguns minutos na escada antes do banho pra receber perfumado meu presente amor. Esperei por três anos em alguns segundos, alguma explicação por aquela presença que agora não fazia mais sentido. Ali, sujo, no meio da poeira e cinzas de cigarro que insistiam em desorganizar minha bagunça, ninguém tentara decifrar a tamanha ventania de confusões que se passava pela minha mente dentro dos planos que tinha sonhado também para essa casa nova.

Durante esse tempo todo em que você esteve fora, eu apenas tentei arrumar um jeito de viver com tudo aquilo que não foi presenteado, que não foi absolvido, que não foi contemplado. Fui enfeitando essas maçãs do rosto com um pouco de sol. Fui cuidando das flores que deixaram de cuidar. Fui limpando discos e colocando pra tocar.

Não sei o quanto durou isso tudo, mas depois de acordar, uma ressaca moral me batia na boca do estômago. Um certo tom de doente-quase-morto me brilhava nos dentes amarelados de sono. Uma náusea me queria vomitar a história que eu não vivi. Um romance que estava vomitado dentro de mim, ou pelo menos engolido sem água nem molho e aos poucos sendo regurgitado por cada esquina onde eu sentia o seu cheiro de merda em minha vida.