quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Chá de espera.


E parecia que a chuva não ia acabar. Não ia dar trégua ao coração dela que só fazia derramar esperanças naquela noite. Não que ela quisera ter esperança por algo ou por alguém, ou que este algo ou alguém já estivesse prestes a desabar por cima das suas costas e a por de joelhos no chão. As coisas não precisavam ser assim e creio que não eram como essas músicas de chuva: destinadas, previsíveis e quase nunca utópicas. Ela acreditava nisso.

Sentada ali, com pouca roupa, bunda-quase-de-fora, preparou um chá. Não gosta muito, mas não conseguia sequer pensar em preparar um copo de leite para embalar seus cabelos vermelhos no sono, desistindo da espera/nça. Ela queria ser embalada. Embalada por algum ritmo diferente do que gritava fora da janela. Embalada pelos beijos e braços fortes de quem ela ficou desejando nessa orquestra de águas que começou de surpresa.

Poderia ter ido dormir antes de atender aquele telefonema, pensou. Quase sempre ela é uma torre de desdém. Quase sempre não dá importância aos beijos, nomes ou toques que lhe estupram dilaceradamente nas boates que freqüentara. Pra que ouvir a voz? Pra que sentir esse calor nesse inferno? Pra que mexer nesse vomito ainda fresco? Não estava bêbada para esquecer a noite passada e mesmo se quisesse era impossível, a última experiência-reconciliação tinha sido tão extrema que uma parte dela parecia ter sido arrancada e engolida junto a sua saliva naquele beijo com gosto de sexo e bunda-agora-quase-de-fora, e ela precisava ser inteira.

Ela parecia acreditar no algo novo, num recomeço outra vez, num primórdio diferente. Parecia acreditar nesses atos que eu, vendo desse apartamento com pingos de chuva na janela e no seu rosto, do lado de fora dessa relação toda, ainda não sei o que era.

Ela não consegue ser legível. É impossível tentar sentir seus pontos mais íntimos e suas vontades mais avassaladoras. Ela nunca vai deixar essas marcas estampadas nos muros dos becos onde tinha costume de trepar e se maltratar um pouco mais com isso tudo. Sabia da inexistência daqueles instantes de mãos suadas e dorzinhas de barriga do seu amor. Sabia que não ia haver flores depois de jantares à luz de velas. Sabia que não teria canções com seu nome. Sabia do toque seco na sua pele. Da voz fria pelo telefone. Das doses que ainda teria de tomar para esquecer isso tudo mais uma vez, nesse pensamento tolo. Queria ter tudo para enfrentar de novo. Sente prazer nisso, parece. Procurou o acabado pra se acabar, pra se afundar, pra se sujar de cor sofrida. Queria correr riscos maiores numa luta onde o fim era se machucar. E ela sabia disso.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Partidos

Apenas não queria sentir essa angústia aqui dentro. Mesmo recolhendo esses planos e sonhos que um dia pudemos fabricar numa manhã azul, ainda assim, a saudade faz doer. É uma sensação ruim, sinto. Como se algo estivesse prestes a acontecer do pior jeito. Algo que vai me surpreender e me deixar boquiaberto por minutos. Em estado de choque. Como se fosse um alguém que me procurasse e me encontrasse na vulnerabilidade. Ali, no chão, fraco e sujo sem saber para onde ir, sem ter em algo a mais para pensar e sentir um monstruoso frio percorrendo todas as calçadas sujas de urina de bêbados.

Sinto-me como se te tivesse partido o peito. Como se me tivessem partido os membros. Como se eu tivesse te deixado partir naquela antiga estação de trem e não te perguntara qual a hora da volta pra casa, para que assim eu pudesse ir correndo preparar nosso jantar. Com toalhas bordadas, talheres novos e xícaras decoradas com o nosso amor. Mas não tem jeito. Fico com seu coração na mão, derretendo. Fico com meus membros no chão, quebrados. Fico com sua ida-não-sei-se-volta aqui, paralisada nesses sentimentos que me ardem os olhos e não me deixam pensar em mais nada.