segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Passarinho de afeto quebrado.


É que a semente caiu na água e desmanchou meu riso. Eu sabia que não ia durar muito. Estava tão delineado ali, parado, bonito, intacto, livre de mim, que pensei ser algum efeito alucinógeno. Veio esse tal passarinho verde e num descuidado, das alturas, soltou seu futuro consumo. Desmanchou-se, então. A semente e a alegria. Afeto quebrado na tensão d água.

Bateu na minha cara como tapa de um amor que nunca acreditei que fosse levar. Estralou o vermelho que gritou de dor dentro do meu peito. Manchou com o pó restante a cor viva que desfrutei em poucos minutos. Apodreceu essa fruta roxa que tanto guardei para comer no fim de tarde. Com o verde, com o azul, com o vermelho. Suculentos. Pedindo meus dentes e beijos.

Mas não foi como eu li nos livros, vi nos filmes, soube nas lendas. Fora d água, meus olhos não brilharam, meu riso não brotou vivo no rosto e a disposição para isso que eu nem sabia o que era, estava amena. Não me esperaram ensaiar nem um improviso sequer. Não me deixaram enfeitar com laços meus sonhos bons de menino carente. Não me deixaram ao menos, fazer a barba, me perfumar, arrumar o cabelo. Nem os dentes amarelados eu pude escovar.

E fiquei assim, com a cara sem coragem nessa grama vendo minha imagem se espalhar com o sopro do barco de papel que caiu, o qual eu amassei de amor. Mole de água. Cansado desse mar. Desses sopros. Até dessas dobras tão limitadas e seqüenciais.

Tremi calado. Imagem. Só, com a expressão de desmanche. Descarregado no lago. Desfrutado de tão pouco. Um algo com tal roxo que foi embora e sei que não vai nascer dessa semente que o pássaro deixou cair. Inchada. Podre. Não vai pegar viagem com esse barco naufragado, nem muito menos se encaminhar nesse sopro de brisa leve e perfumada de frutos. Pelo menos não nesta tarde de ainda sementes.

Júnior

sábado, 21 de agosto de 2010

Pedido quase Delito.


Isso vai me enlouquecer. Vai me agarrar as entranhas e me puxar para baixo como energia negativa sobrecarregando minhas costas. Me deixará mais afundado nessa agonia de bêbado tentando esquecer seus amores nos botecos fétidos dessa cidade. E que cidade miserável. Essa podridão no canto das calçadas é de dar-me um embrulho no estômago e fazer-me revirar de um canto para o outro da cama quando tento dormir. Essa merda que desenha as paredes desses prédios e outdoors dessas avenidas com figuras ilustradas de puro cinismo, parece rasgar-me com veracidade minhas limitadas verdades sobre o meu bem estar.

Vestido com essa regata branca, bermuda rasgada e chinelo de couro com aquela velha mochila xadrez recheada com meus sonhos num pedaço de papel, andei desfilando por entre becos e ruas sem saída, e sendo repugnado com esses olhares que não retribuíam meu contentamento comportado. Olhando para um lado, o padeiro me mastigava passado na manteiga com seus olhos cheios de dentes como se soubesse o que andei fazendo na noite passada nas camas alheias ou ninhos de recanto. Olhando para o outro lado, a vizinha fofoqueira me cuspia com bafo na cara a indecência e intolerância que isso tudo se torna para quem não vive na minha carne, na nossa carne, naquela carne que tanto a chamam de podre e é massacrada por esta merda de sociedade. Até o mendigo bêbado do quarteirão distante, indigente miserável, não o julgando, me fazia meter meu rabo entre as pernas que, então, ficavam trêmulas de tanto desconforto.

Esses olhares me queimam as bochechas de tanta incompreensão. Cortam-me as pernas. Sangram-me os lábios. Queimam minhas asas que se fazem tão pequenas. Desprezam meus sonhos mais inocentes. Não traduzem essas línguas tão idênticas chupadas com o mesmo tom roxo de amor. Não dissipam a desigualdade que ainda está embutida nos bancos de praça, nas escolas, nas pregações religiosas, nos senados. Não me fazem almejar esse amor que tanto distribuem em enlatados nas igrejas e em gente boa de família. Deixam-me curvado, com joelhos no chão, dolorido diante um pensar que tenta me parecer errado, cancerígeno, praga maligna que se espalha entre campos abertos, ruas estreitas, mentes fechadas, e estimula os amores errôneos dessa gente tão pobre de conceitos.

Gostaria de entender, meu Deus, o porquê de toda essa reprovação? O porquê de tanta falta de tolerância? Pelo qual motivo o respeito-pelo-próximo resolver se soltar da boca de um indivíduo e desvanecer-se no ar como algo barato e simples? Pelo qual motivo, “essas-queridas-pessoas-normais”, resolveram estragar um dom tão divino? Pisar nele feito inseto repugnante que te dá náuseas? Não entra de nenhuma forma na minha mente o porquê desse mau-dizer imenso que jorra nos chafarizes secos dessa cidade. Não consigo ver motivo são para não me deixarem morrer de amor. Não consigo ter uma visão semelhante para não me deixarem acariciar um rosto tão semelhante ao teu, Cristo. Será que vão nos moldar e nos petrificar feito doença nas praças? Será que vão atirar pedras nas nossas cabeças para dar defeito nessas engrenagens sutis para voltarmos a ser como éramos antes, igual a todos os “normais”?

Não sei Senhor, já não mais sinto essa bondade entre os homens. Já não sei o que será daqui pra frente quando as guerras definitivamente começarem. Peço-lhe, apenas, que atendas meu pedido. Nesse meio onde os homens comem a carne podre um dos outros. Nesse meio onde os cães lambem com vontade essa merda que sai da boca desses bêbados de má fé jogados nas calçadas. Peço-lhe que apenas aprece o passo. Fabrique algo para curar essa dor incômoda que arranha meu sono. Algo que possa ser injetável, que não doa, que amenize essa enxaqueca que me desnorteia depois de horas batendo a cabeça na parede para isso tudo entrar na minha mente. Porque assim, não está dando mais para sentir a calmaria do sol batendo nos meus olhos me mantendo vivo no gramado que tanto me esconde.

Júnior.

domingo, 8 de agosto de 2010

Agridoce Perfume.



Sem permissão. Sem intuito. Sem estar preparado. Senti seu cheiro quando passei pela cozinha. Ia apenas despejar o resto do café que ficou entranhado no fundo da minha xícara. Mas não poderia ser apenas desse jeito. Quando passei pelo tapete junto à porta, seu perfume agarrou-me feito predador veloz e voraz. Dilacerou-me. Impregnou, feito praga, sem dó nem piedade, nas minhas maçãs róseas do rosto o arder dessa paixão ainda viva e as deixou vermelhas num estado de sangue onde perceberam minha apreensão. Chupou-me os lábios úmidos de cafeína e os deixou seco feito a canela que ficou sobre a toalha mal passada da mesa.

Ele veio assim, temperado com açúcar e vinagre junto ao odor do jantar. Quente feito minhas febres de saudade nos dias mal dormidos depois de horas de leitura das suas antigas cartas. Macio como os detalhes de seda das cortinas do basculante desta pequena cozinha. Correu debaixo dos móveis. Entrelaçou-se entre as pernas das cadeiras rústicas. Escondeu-se por trás da vassoura maltratada que descansava do lado dos chinelos velhos, os quais eu me esqueci de tirar para por no quintal. E esperou-me. Calado. Ansioso para ver minha cara de bobo nesse espetáculo onde fez o tempo parar por minutos e repassar em minha mente fértil uma película fracassada do nosso teatro.

Surpreendeu-me. Não houve grito. Só espanto. Desses calados, onde pode ter até uma lágrima escorrendo no canto do rosto. Salgado. Com muito sal parecendo ácido que doeu os olhos. Doce. O quanto mais, melhor. Perfume que não me alivia. Só me mata. Quieto como um veneno de lembranças que entra pelos meus brônquios e rasga como esponja fraca meus pulmões cheios de nicotina sedenta. Onde viram fumaça agridoce, com bastante acre e com muito açúcar.

Júnior.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Durante a Viagem.

Dessa vez eu não pude evitar. Ela agarrou-me por dentro das vísceras e arrancou-me o algo mais precioso que deixei guardado para quando você voltasse da primavera. Não me presenteou com esses livros que fazem todos chorarem. Não se lembrou de me trazer nenhuma lembrança da última estação. Nem ao menos uma flor murcha para eu poder lembrar um pouco mais de você.

Foi assim. Como um sopro gelado de outrora que perturbou meus pés que tentavam se manter quentes debaixo do cobertor. Um suspiro inesperado me rasgou o silêncio e tirou-me da cama. Viciando meus ouvidos. Enfeitiçando minha boca da saliva quente feito pimenta vermelha no batom borrado sangrando de outros beijos. Esse gosto molhado de suor que pude provar nas costas dessa maldita me deixou morrer jogado no chão esperando um pouco mais para saciar-me. E não pude evitar.

Esses semblantes doces que dançavam entre as cortinas desse quarto me tiraram para dança enigmática que não pude decifrar os passos nem muito menos a melodia. Era tão sem ritmo. Sem batidas organizadas. Apenas o dançar mal ensaiado e perfeito por completo dos nossos corpos se penetrando debaixo do fogo daqueles lustres vermelhos. Essa cor parece que me hipnotizou. Não me deixou nem ao menos pensar nos meus atos e fatos. Não me deixou escolhas e opções. Deu-me somente o gozo intenso desses sentimentos que agora custo em encontrar.

Tudo mentira. Primeiro ela diz que vai me saciar. Depois promete retornar para os meus braços numa noite qualquer desses invernos e infernos. Faz-me beber do vinho mais doce. Logo, eu juro descontrole. Ela não se importa. Diz que está tudo sob seu domínio e me dá colo quando preciso desabafar. Eu choro quando percebo a dor que causei ao meu íntimo e o maltratar dessas orgias dentro do nosso relicário. Ela finge não se irritar e com um nervosismo absolutamente aparente jogado nas suas sobrancelhas que dançam sem música, tremelicam, deixa-me cair no chão frio. Cara amassada. Machucada no tão duro. Misturando-se na poeira vadia dos últimos dias com teus sapatos desfilando pelo tapete. Ela se pronuncia. Diz que vai embora. Diz que vai me deixar pensar na tolice e no martírio que causei por este devaneio. Não sei como explicar. Ela me toma de uma forma que me deixa vulnerável com meus próprios atos.

Choro novamente. Agora sem colo. Penso na fotografia da última primavera que você me presenteou. E isso me dói. Penso na morte dessas músicas, cartas, manchas e cheiros que decoram nosso canto. E isso me dói. Penso nos beijos desses verões e amores de outono. Penso nas nossas tardes roxas grifadas no céu. Penso no amanhecer dos nossos braços debaixo dos altares. E tudo isso me dói. Arde como brasa rubra que queima em minha consciência. Seca meus lábios de vergonha e os rasgam. Queima minha inocência e joga fora todos meus desejos feitos quando descobrimos as estrelas cadentes. Destrói até essas minhas estrelas que um dia cultivei apenas em segredo.

Então percebo. Nada mais tenho, a não ser esse cigarro, essa roupa manchada de sexo e essa maldita fraqueza que não me deixa dormir. Quando menos espero, ela sai disfarçadamente e bate-me a porta com uma força que não é bruta. Estrondo que estoura meus tímpanos. Tira-me os vocais. Ergue minha impaciência. Fazendo-me voltar à realidade e me afunda mais ainda. Quebra minhas noções de liberdade. Joga fora minha pouca vergonha. Cospe na minha cara o meu sufoco. Não recita as palavras que tanto quis escutar depois dessa pérfida relação. Essas palavras que justificam nossas faltas, que arrancam nosso medo do fim, recolhem nosso fracasso.

Sujo, me visto com pouca roupa. Tento esconder essa cara inchada pelo orgasmo. Fumo sem saber outros três cigarros. Meto-me dentro desses conhaques a fim de justificar minha ausência de fidelidade. Tento jogar fora essa vergonha que me sangra as bochechas. Mas nada adianta. Se eu pudesse ao menos esquecer esta última dança? Mas a música de suspiros lateja ma minha alma desonrada. Mete a certeza na minha cabeça de que meus olhos vão me entregar quando você chegar. Sinto que eles farão o que não quero fazer. Dirão tudo que eu prezaria no silêncio. Tudo que eu esconderia no calado. Pressinto que até o que guardei pra você eu não vou poder deixar em cima da cama. Liso. Quente. Perfumado. Nem essa baboseira de amor que um dia acreditei, vou poder cultivar mais com suas flores que ainda sei que vais trazer dessa primavera. O não saber de nada. Mato minha dignidade com pequenos instantes. E isso me dói. Aqui, quieto esperando o barulho das chaves brincarem na maçaneta da porta e a poeira dos teus sapatos invadirem esse quarto. Meus olhos ainda continuam calados, por enquanto. Sem contar minha deslealdade.

Júnior.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Esquivo.


Não se engane. Não vivo nesta noite em todas as calçadas dessa terra tão gloriosa. Perco muitos carnavais, se você não percebe. Esqueço muitos privilégios em busca desse contentamento que não sei onde foi parar. Maltrato minhas mãos na tentativa de tocar esse instrumento pesado de dor. Reprovo-me nessas matérias devido às notas baixas do meu afeto.

Não sou verdadeiro. Não brilho nesses risos. Não sinto essa bebedeira de amores. Nem muito menos pulo ao som das ladeiras nesta festança sem levar comigo a pele que me molda de alegria.

Torno-me assim. Esquivo.

Não sinta esse meu boêmio inferno jeito de lhe dar com o meu poço vazio. Tenho em mente o quanto me distraio para não lembrar-me das noites/cinzas de estrela. Se me veres assim, com cor, vivo, atraente, não saberás o quanto tento enfiar essa vida dentro dessas garrafas de tonteira. Modelando-a.

Tornando-me assim. Esquivo.

Corto sem perceber este caminho seco de amor que me presenteiam. É de vontade própria querer aproveitar o pouco que me resta. Finjo de felicidade colorindo de confetes móveis de tão vivos essa dor que me alfineta o pescoço. Realço de corado essas minhas maçãs do rosto para que não percebam o escuro das luzes apagadas depois do espetáculo de vida real.

Então não se sinta convidado para essa noite de dança. Beberei, só, dessa água que cai na minha cabeça latejando o amor todo recordado. Enfeitarei, só, essas calçadas com as flores do meu riso escancarado. Farei, só, as composições dos embriagados de dentes amarelados. Porque assim... Não vou me enganar!

Tornar-me-ei, assim. Esquivo.

Júnior

domingo, 1 de agosto de 2010

Alice confessa.


Com um amigo, depois de ter chorado a noite inteira na embriaguez das noites recifences, Alice despeja nas calçadas banhadas de cachaça o seu pensar-odiar-sentir-amar:

_Pedro, era pra ser limitado e com uma data de validade. Entraríamos num boteco bem jeitosinho feito este, com essa decoração rústica que sempre desejei para a minha casa, tocando as músicas mais belas de paixões que deixam marcas jamais curadas, encontraríamos diversas pessoas interessantes e poderíamos escolher apenas uma.

Inoculava-nos essa droga forte e miserável, quase antidepressiva, para que conseguíssemos ver as cores mais atraentes nos risos, nos objetos, nos sexos, nos ventos, nos dentes, nas mãos. Daí, sairíamos pronto para amar, sabe? Amor daqueles fortes que te deixam expostos a sacrifícios independentes de posição conceitual, ideológica ou pessoal. Amores que te matam aos poucos e até gostam de te ver sangrar. Amor que te arranca as vísceras e te cheira mal na melancolia. Amor que te chupa a língua e te lambe os dedos lambuzados. Amor que te cospe à cara e te rasga a carne quente feito brasa. Porque só assim seria um amor de verdade. Aquele que dói e te fode. (Ocorre uma pausa entre a música, o cigarro e os amigos falantes).

Depois, como nada é pra sempre, por mais que seja de praxe essa frase, o amor passa. Num tempo indeterminado. Então, as pessoas parecem esquecer-se do cheiro bom uma das outras ou dos olhos carentes que sempre te deixam feliz depois de uma tarde sozinha. E isso é o que me mata, entende? Não o amor, mas o que vem depois dele. O que sobra no ralo do banheiro sem o outro corpo banhado. Aquilo que te deixa na cama com dores no estômago depois de mais uma noite de insônia. Aquele cheiro mofado nos lençóis do suor da outra nuca que não vai dormir mais naquele cômodo. Esse pensar no porque de não ter dado certo ou o que foi que fizemos de errado. Essa agonia e desespero que te faz a pessoa menos encantadora do mundo. Essa porra que te guarda/prende no canto do quarto quando tu não queres ser guardado/preso. Esse sentimento que me recolhe e me encolhe e me transforma em mágoa parece dilacerar meu peito em busca de novos braços, toques, arrepios, beijos, risos e olhos que jamais me envolvem depois de tudo já perdido.

E nada me basta. Depois do amor essas merdas não preenchem o seco-oco-profundo-escuro dentro dessa caixa torácica em que eu insisto tentar manipular. Não cobrem o estrago feito no cliente. Não correspondem as propagandas feitas na embalagem bem arrumada. Não satisfazem o comprador inocente-corajoso depois de agitá-las e usá-las.

É tudo predestinado. Quem ama deve estar muito decidido para querer amar o sofrimento que essa palavra bonita carrega consigo. É uma dor tão incomoda, sabe? Uma pontadinha bem no canto direito da barriga fazendo arder. Um queimor nas faces que parece querer sair de dentro da minha cabeça pelas bochechas me maltratando.

E ficamos assim: bêbados do amor que nunca devia existir nos bares e calçadas dessa cidade. O pior é que temos de domar essa passagem pela nossa vida. Porque não estamos sós. Bem que poderia ser limitado. Com as instruções como usar, gozar e jogar fora. Depois de ter abusado e ter criado abuso, colocá-lo em alguma lata de lixo para ser reciclado, talvez. Quem sabe uma outra pessoa poderia gostar dele? Porque pra mim, Pedro, não dá. O amor é muito doloroso e eu odeio sofrer. Seja por qual for o motivo.

Júnior!