terça-feira, 9 de agosto de 2011

In-Cômodo

O tempo está parando, ou melhor, parece que ficou estagnado na parede do meu quarto. Ando envelhecendo sem ele perceber e não saio do canto para acordar numa manhã nova de qualquer cor que seja. A barba já passa do pomo de Adão. Os olhos afundam-se no rosto. As unhas arranham qualquer superfície/pele/casca que eu chego a tocar. O cinzeiro afogando-se grita por socorro. A cama chupa o mofo na tentativa de preparar um sonho bom para se viver. Neste in-cômodo, me procuro nos risos das fotografias que tentam me resgatar. Não vejo ninguém. Apenas segundos daquilo que um dia eu cheguei acreditar que fosse perdurar. Mãos costuradas numa só. Olhos se espremendo de alegria. Um companheirismo sem igual nessa sinfonia de “Eu te amo” saindo de bocas. Palavras. O veto sempre carrega. Roubaram-me a beleza, a coragem e o tempo, esse pouco que me resta para dizer aquilo que não foi dito no último encontro, parece fugir dos meus dedos. Isso machuca aos poucos. Vibra, arranha, coça. Fica preso na garganta saboreando um falta de sei lá o que.

domingo, 7 de agosto de 2011

Afia-se.


Uma pontada no peito, assim, lenta, devagar, como se ela estivesse gostando de ter na boca as palavras certas para ferir ou apenas gostasse de jogá-las fora, no vento, pela janela, direto nos tímpanos. Ouvia a voz que lhe mexia o estômago, suava-lhe as mãos, corava-lhe o rosto e logo em seguida, quase que automático, cuspia o silêncio que parecia mais descer como um suco de pimenta em dia de mormaço ou a escarrava a voz que fritava juízos e amassava sentimentos e sonhos e corações agora partidos. Era uma maneira de sobreviver. De não ter o que contar. De se privar de dores. Rugir.

sábado, 2 de julho de 2011

Sobre Avenidas.







Eu deveria andar pela calçada,
mas sempre teimo em saber o que existe por trás das luzes dos automóveis que me cegam.
Sempre!

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Assento Ocupado.

Quis saltar do ônibus e voltar para aquela cidade. Ascender um cigarro e andar sem rumo nas pontes brilhantes com poças d’água no chão. Era inverno. Um começo. Quis gritar ali mesmo que era corrupto, medíocre, de carne e osso. Mas as nucas dos passageiros e a mão que tocava-lhe a perna reprimiam seu desejo. Quis uma bofetada na cara para aprender a viver. Diziam que isso ensinava essa gente. Quis um risco fora da linha, um retrato danificado pelo esquecimento, uma caneca quebrada no chão. Quis provar do incerto, do errado, do maldizer. Quis outras mãos e outras coxas. As enxergava pela janela cheia de gotas, borradas. Estavam bem claras na sua mente. Percebeu o quanto era sujo. O quanto gostava disso. Continuou sua viagem. Faltava-lhe coragem.

domingo, 19 de junho de 2011

Sem Cobertor.


E veio a manhã. A boca roxa disfarçada com o vermelho. As unhas nas costas escondidas pelo algodão. O olho desnorteado camuflado nos óculos escuros. O hálito matinal que tentava ser disfarçado com pastilhas de hortelã. O cheiro forte de sexo desconhecido.

Horas atrás, o corpo pedia. O olho olhava, procurando. A boca sorria numa vantagem que não era de costume. O cabelo deslisava entre os ombros que estavam nus. Pernas dançantes. Malemolência. A noite se fora assim, no mesmo instante que ela colocou os sapatos. Apenas uma lembrança que a deixou com 50 quilos a mais. Rápida entre baforadas de álcool, nádegas nas mãos, roçadas em genitálias. Indecência.

Hora do trabalho. Pelo telefone, dá um "bom dia" de cor cinza, quase perceptível. Escuta que foi uma boa ideia ter saído para distrair-se. Segundo ele, precisava caminhar, parar, respirar e voltar um pouco para si mesma. Sentir o consigo antes de tudo.

Com a voz quase trêmula, diz "eu te amo". Quase chora. Seria uma frase linda se a culpa não pesasse sobre suas costas.

quinta-feira, 10 de março de 2011

De porta aberta.


E pode trazer a viola, o pandeiro e o sorriso pendurado no rosto. De hoje em diante eu quero essa casa assim, com essas cores brotando pelas paredes e gritando na calada da noite o brilho do riso faceiro que daremos enquanto dormimos.

Despejem esse amor que teima em cantarolar nas noites de frio. Derramem essa alegria que brinca nas maçãs do rosto em cada estrofe desse samba harmonioso. Escorram cada olhar de carinho e contentamento que se pode ter nesses dias de festa.

Enquanto houver um corpo quente me acompanhando, estarei pulsando forte e dizendo o quão gentilmente e feliz estarei por perto, dentro de cada quadro mal pintado, dentro de cada copo de cachaça mal tomado, dentro de cada carne perfurada pela beleza que nos une.

E grito da varanda, pois, o tamanho dessa ligação que não vem de sangue nem pacto. Tenho gente bonita para apresentar. Tenho dengo gostoso para me acarinhar. Tenho o cheiro bom do tão formoso verbo amar. Se com esse enredo todo alguém não quiser entrar, sinto muito, mas minha porta eu não vou fechar.

Quero o doce das rosas, o quente da moça, o forte do rapaz. Nessa briga onde a solidão não reina, estarei lá esperando alguém me acreditar, com um coração transbordando de coragem pra vos assumir em qualquer lugar.

Varri a sujeira de ontem, limpei os discos das Marias, plantei as flores na nossa sacada, desenhei o rosto de cada um nesse refúgio num quadro enorme que vamos pendurar na sala de estar. Tenho tudo perfumado e limpo para quando voltarmos a fugir do mundo e nos encontraremos naquele lugar que deixamos saudade.

Entremos, estejamos abertos para o samba, o amor, o calor dos dias que ainda estão por vir. Nos refugiando da mesmice de cada minuto.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Chá de espera.


E parecia que a chuva não ia acabar. Não ia dar trégua ao coração dela que só fazia derramar esperanças naquela noite. Não que ela quisera ter esperança por algo ou por alguém, ou que este algo ou alguém já estivesse prestes a desabar por cima das suas costas e a por de joelhos no chão. As coisas não precisavam ser assim e creio que não eram como essas músicas de chuva: destinadas, previsíveis e quase nunca utópicas. Ela acreditava nisso.

Sentada ali, com pouca roupa, bunda-quase-de-fora, preparou um chá. Não gosta muito, mas não conseguia sequer pensar em preparar um copo de leite para embalar seus cabelos vermelhos no sono, desistindo da espera/nça. Ela queria ser embalada. Embalada por algum ritmo diferente do que gritava fora da janela. Embalada pelos beijos e braços fortes de quem ela ficou desejando nessa orquestra de águas que começou de surpresa.

Poderia ter ido dormir antes de atender aquele telefonema, pensou. Quase sempre ela é uma torre de desdém. Quase sempre não dá importância aos beijos, nomes ou toques que lhe estupram dilaceradamente nas boates que freqüentara. Pra que ouvir a voz? Pra que sentir esse calor nesse inferno? Pra que mexer nesse vomito ainda fresco? Não estava bêbada para esquecer a noite passada e mesmo se quisesse era impossível, a última experiência-reconciliação tinha sido tão extrema que uma parte dela parecia ter sido arrancada e engolida junto a sua saliva naquele beijo com gosto de sexo e bunda-agora-quase-de-fora, e ela precisava ser inteira.

Ela parecia acreditar no algo novo, num recomeço outra vez, num primórdio diferente. Parecia acreditar nesses atos que eu, vendo desse apartamento com pingos de chuva na janela e no seu rosto, do lado de fora dessa relação toda, ainda não sei o que era.

Ela não consegue ser legível. É impossível tentar sentir seus pontos mais íntimos e suas vontades mais avassaladoras. Ela nunca vai deixar essas marcas estampadas nos muros dos becos onde tinha costume de trepar e se maltratar um pouco mais com isso tudo. Sabia da inexistência daqueles instantes de mãos suadas e dorzinhas de barriga do seu amor. Sabia que não ia haver flores depois de jantares à luz de velas. Sabia que não teria canções com seu nome. Sabia do toque seco na sua pele. Da voz fria pelo telefone. Das doses que ainda teria de tomar para esquecer isso tudo mais uma vez, nesse pensamento tolo. Queria ter tudo para enfrentar de novo. Sente prazer nisso, parece. Procurou o acabado pra se acabar, pra se afundar, pra se sujar de cor sofrida. Queria correr riscos maiores numa luta onde o fim era se machucar. E ela sabia disso.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Partidos

Apenas não queria sentir essa angústia aqui dentro. Mesmo recolhendo esses planos e sonhos que um dia pudemos fabricar numa manhã azul, ainda assim, a saudade faz doer. É uma sensação ruim, sinto. Como se algo estivesse prestes a acontecer do pior jeito. Algo que vai me surpreender e me deixar boquiaberto por minutos. Em estado de choque. Como se fosse um alguém que me procurasse e me encontrasse na vulnerabilidade. Ali, no chão, fraco e sujo sem saber para onde ir, sem ter em algo a mais para pensar e sentir um monstruoso frio percorrendo todas as calçadas sujas de urina de bêbados.

Sinto-me como se te tivesse partido o peito. Como se me tivessem partido os membros. Como se eu tivesse te deixado partir naquela antiga estação de trem e não te perguntara qual a hora da volta pra casa, para que assim eu pudesse ir correndo preparar nosso jantar. Com toalhas bordadas, talheres novos e xícaras decoradas com o nosso amor. Mas não tem jeito. Fico com seu coração na mão, derretendo. Fico com meus membros no chão, quebrados. Fico com sua ida-não-sei-se-volta aqui, paralisada nesses sentimentos que me ardem os olhos e não me deixam pensar em mais nada.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Bilhete de chuva.

Imagine-me debaixo do seu lençol listrado azul cantarolando com os pingos de chuva que ecoam dentro do seu íntimo. Imagine a minha mão que ainda não foi castigada pelo tempo dançando no teu corpo como se fosse vento nesse espetáculo de águas. Imagine o cheiro das paredes mofando aquela velha saudade que nesse frio convidativo desvanece dentro desse quarto decorado com desenhos infantis. Imagine esse nosso cheiro de suor com o vidro abafando nosso mais intenso desejo. Imagine até mesmo o cheiro disso tudo – da música, da dança, do mofo de saudade.

Se sentir vontade desse nosso amor, depois de conseguir sentir o gosto dessas promessas escondidas entre cigarros e copos de uísque, me avise. Estarei na sua porta gritando nessa chuva. Vou entrar de vez, te invadir o corpo e aquilo onde você guarda tudo e todos com o mais forte carinho e te ter nos meus braços como se fosse os últimos segundos antes da sua partida.

Com sua voz, apenas sei que vou provar o cheiro bom e calmo de terra molhada acompanhado. Vou te materializar subindo pelas minhas pernas e acariciando minhas coxas como se fossem as do melhor homem que um dia você tocou os lábios e as costas e as nádegas e o rosto molhado de chuva.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Ressaca de sonho

Lembro que ontem, pela noite, debaixo daquela lua que cultivei com brilho forte e costurei no teto do meu mundo, você veio me dizendo coisas que eu gostaria de ouvir. Eram palavras doces, emaranhadas em um ninho de delicadeza e compreensão por essa minha dor que eu escondi durante anos. Sem nenhuma ferramenta, você escavou o meu íntimo que até então estava soterrado no sono, ali, dentro daquilo que eu teimo em machucar ainda mais, mais uma vez e quase sempre, e veio me criar esse caos que sinto depois de não ter conseguido dormir direito.

Depois de tudo, depois do dito-não-sentido, depois do mau hábito seu de mastigar cada membro de carne de alguém, você me aparece em casa – a mesmo que eu cuidei pra que não colocasse os pés, a enfeitada com toalhas de cores bem vivas, com cortinas trançadas, com paredes cheias de desenho animado – com a cara lavada de como-se-nada-tivesse-acontecido.

Sentei por alguns minutos na escada antes do banho pra receber perfumado meu presente amor. Esperei por três anos em alguns segundos, alguma explicação por aquela presença que agora não fazia mais sentido. Ali, sujo, no meio da poeira e cinzas de cigarro que insistiam em desorganizar minha bagunça, ninguém tentara decifrar a tamanha ventania de confusões que se passava pela minha mente dentro dos planos que tinha sonhado também para essa casa nova.

Durante esse tempo todo em que você esteve fora, eu apenas tentei arrumar um jeito de viver com tudo aquilo que não foi presenteado, que não foi absolvido, que não foi contemplado. Fui enfeitando essas maçãs do rosto com um pouco de sol. Fui cuidando das flores que deixaram de cuidar. Fui limpando discos e colocando pra tocar.

Não sei o quanto durou isso tudo, mas depois de acordar, uma ressaca moral me batia na boca do estômago. Um certo tom de doente-quase-morto me brilhava nos dentes amarelados de sono. Uma náusea me queria vomitar a história que eu não vivi. Um romance que estava vomitado dentro de mim, ou pelo menos engolido sem água nem molho e aos poucos sendo regurgitado por cada esquina onde eu sentia o seu cheiro de merda em minha vida.