sexta-feira, 18 de junho de 2010

Senhorita Intolerante e Incansável.


Nesta manhã passei a gostar um pouco menos dela. Não me causou infortúnio nenhum, quero que fiquem sabendo. Não obstante, causou um efeito doloroso na vida do homem velho e sábio que morava no casebre perto do rio, um efeito fingido surrealista que não passa de realidade no quarto da menina que um dia encontrei perdida na praça, um efeito borrado de tristeza de tanta água na parede da sala da senhora recém casada. A parede que era azul.

Acordei sem pensar nesta última madrugada para onde iria meu sono e o meu sonho embalado com as cantigas do telhado numa madrugada de águas. Algo atormentava meus olhos. Algo deixava inquietos meus ouvidos. Algo chorava de agonia a minha boca seca sugada pelo desespero das vozes que passeavam pelo meu quarto.

Levantei-me, ainda atormentado e demente pelas horas dormidas, vesti meu casado americano, calcei minhas sandálias úmidas pelo frio e cai na rua. A coisa que me fizera acordar e tirar meu sono parecia estar se concretizando diante meus olhos nos restos de fogueira, nas decorações com bandeirolas coloridas, nas palhas verdes de coqueiro estiradas em forma de casinha.

Nada fazia sentido, mas acontecia. Devia ser pela minha mente retardada pela cama e o travesseiro. Eu não sei como dizer. Mas eu escutava ainda as vozes que me puxaram da cama. O canto das águas no telhado parecia aumentar o volume como se quisesse que todos se alienassem com sua música que eu continuava a julgar de mau gosto, no momento.

Minha visão, minha mente, meu corpo cansado foi ficando menos turvo e pesado. A névoa que acontecia somente nos meus olhos foi se dissipando entre os pingos e eu pude perceber mais que simples vozes abaladas. Havia corpos trêmulos com vozes e músculos exaustos. Aquilo que me despertara do conforto foi o bando de desesperados que abandonavam suas casas para a verdadeira dona delas invadir. A ironia seria se eu dissesse que ela não bateu à porta antes de entrar. Ela foi educada. Limpa. Serena por toda a noite. Deu até o itinerário para os moradores que habitavam suas residências se programarem.

Então pude perceber que estava mais que certa em entrar sem limpar os sapatos, pedir licença, dar bom dia e aceitar o chá na sala ainda viva. Não existiu nesta manhã o limpo nos tapetes, o chá de calmaria, nem muito menos o bom dia. Apenas estava triste a manhã.

Móveis voavam desembestados pelos braços rudes e mortos pelo trabalho. Casas eram pichadas pelo barro que a serena proprietária trouxera de longe entre as árvores. Brinquedos morriam nas mãos da correnteza que não brincava em serviço. Fazia parte do acordo entre a senhorita silenciosa e os demais para amarrarem em suas carruagens qualquer tipo de sonho ou vitória conseguida nas vidas desses pobres.

E perdurou por muito tempo neste dia cinza. Não deixou vestígios do casebre perto do rio. Não desenhou nada de infantil no quarto da menina. Não pendurou nada de bonito para desejar boa sorte na parede da senhora recém casada. A parede que é marrom.

Quis desamarrar as bandeirolas coloridas penduradas que fingiam animar e dar uma dose de contente nesta rua. Quis se alimentar das palhas de coqueiro que nutriam a única parte viva da entrada principal.

A rua agora é cinza e a vida já não está tão perceptível com a nova vizinha que cantarolou a canção que me perturbou a noite toda. A canção estava alta, tão alto, que impediu Deus de ouvir as preces desse povo sofrido que segue na desgraça escancarada nas ruas e praças destruídas pela dona.

Creio que devo voltar para a cama. Notícias correm rápido demais. E espero que dessa vez seja uma boa para me despertar.

Júnior 18/06/2010 (Dia do Tormento da Chuva)

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