domingo, 8 de agosto de 2010

Agridoce Perfume.



Sem permissão. Sem intuito. Sem estar preparado. Senti seu cheiro quando passei pela cozinha. Ia apenas despejar o resto do café que ficou entranhado no fundo da minha xícara. Mas não poderia ser apenas desse jeito. Quando passei pelo tapete junto à porta, seu perfume agarrou-me feito predador veloz e voraz. Dilacerou-me. Impregnou, feito praga, sem dó nem piedade, nas minhas maçãs róseas do rosto o arder dessa paixão ainda viva e as deixou vermelhas num estado de sangue onde perceberam minha apreensão. Chupou-me os lábios úmidos de cafeína e os deixou seco feito a canela que ficou sobre a toalha mal passada da mesa.

Ele veio assim, temperado com açúcar e vinagre junto ao odor do jantar. Quente feito minhas febres de saudade nos dias mal dormidos depois de horas de leitura das suas antigas cartas. Macio como os detalhes de seda das cortinas do basculante desta pequena cozinha. Correu debaixo dos móveis. Entrelaçou-se entre as pernas das cadeiras rústicas. Escondeu-se por trás da vassoura maltratada que descansava do lado dos chinelos velhos, os quais eu me esqueci de tirar para por no quintal. E esperou-me. Calado. Ansioso para ver minha cara de bobo nesse espetáculo onde fez o tempo parar por minutos e repassar em minha mente fértil uma película fracassada do nosso teatro.

Surpreendeu-me. Não houve grito. Só espanto. Desses calados, onde pode ter até uma lágrima escorrendo no canto do rosto. Salgado. Com muito sal parecendo ácido que doeu os olhos. Doce. O quanto mais, melhor. Perfume que não me alivia. Só me mata. Quieto como um veneno de lembranças que entra pelos meus brônquios e rasga como esponja fraca meus pulmões cheios de nicotina sedenta. Onde viram fumaça agridoce, com bastante acre e com muito açúcar.

Júnior.

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