domingo, 1 de agosto de 2010

Alice confessa.


Com um amigo, depois de ter chorado a noite inteira na embriaguez das noites recifences, Alice despeja nas calçadas banhadas de cachaça o seu pensar-odiar-sentir-amar:

_Pedro, era pra ser limitado e com uma data de validade. Entraríamos num boteco bem jeitosinho feito este, com essa decoração rústica que sempre desejei para a minha casa, tocando as músicas mais belas de paixões que deixam marcas jamais curadas, encontraríamos diversas pessoas interessantes e poderíamos escolher apenas uma.

Inoculava-nos essa droga forte e miserável, quase antidepressiva, para que conseguíssemos ver as cores mais atraentes nos risos, nos objetos, nos sexos, nos ventos, nos dentes, nas mãos. Daí, sairíamos pronto para amar, sabe? Amor daqueles fortes que te deixam expostos a sacrifícios independentes de posição conceitual, ideológica ou pessoal. Amores que te matam aos poucos e até gostam de te ver sangrar. Amor que te arranca as vísceras e te cheira mal na melancolia. Amor que te chupa a língua e te lambe os dedos lambuzados. Amor que te cospe à cara e te rasga a carne quente feito brasa. Porque só assim seria um amor de verdade. Aquele que dói e te fode. (Ocorre uma pausa entre a música, o cigarro e os amigos falantes).

Depois, como nada é pra sempre, por mais que seja de praxe essa frase, o amor passa. Num tempo indeterminado. Então, as pessoas parecem esquecer-se do cheiro bom uma das outras ou dos olhos carentes que sempre te deixam feliz depois de uma tarde sozinha. E isso é o que me mata, entende? Não o amor, mas o que vem depois dele. O que sobra no ralo do banheiro sem o outro corpo banhado. Aquilo que te deixa na cama com dores no estômago depois de mais uma noite de insônia. Aquele cheiro mofado nos lençóis do suor da outra nuca que não vai dormir mais naquele cômodo. Esse pensar no porque de não ter dado certo ou o que foi que fizemos de errado. Essa agonia e desespero que te faz a pessoa menos encantadora do mundo. Essa porra que te guarda/prende no canto do quarto quando tu não queres ser guardado/preso. Esse sentimento que me recolhe e me encolhe e me transforma em mágoa parece dilacerar meu peito em busca de novos braços, toques, arrepios, beijos, risos e olhos que jamais me envolvem depois de tudo já perdido.

E nada me basta. Depois do amor essas merdas não preenchem o seco-oco-profundo-escuro dentro dessa caixa torácica em que eu insisto tentar manipular. Não cobrem o estrago feito no cliente. Não correspondem as propagandas feitas na embalagem bem arrumada. Não satisfazem o comprador inocente-corajoso depois de agitá-las e usá-las.

É tudo predestinado. Quem ama deve estar muito decidido para querer amar o sofrimento que essa palavra bonita carrega consigo. É uma dor tão incomoda, sabe? Uma pontadinha bem no canto direito da barriga fazendo arder. Um queimor nas faces que parece querer sair de dentro da minha cabeça pelas bochechas me maltratando.

E ficamos assim: bêbados do amor que nunca devia existir nos bares e calçadas dessa cidade. O pior é que temos de domar essa passagem pela nossa vida. Porque não estamos sós. Bem que poderia ser limitado. Com as instruções como usar, gozar e jogar fora. Depois de ter abusado e ter criado abuso, colocá-lo em alguma lata de lixo para ser reciclado, talvez. Quem sabe uma outra pessoa poderia gostar dele? Porque pra mim, Pedro, não dá. O amor é muito doloroso e eu odeio sofrer. Seja por qual for o motivo.

Júnior!

2 comentários:

  1. Disgraçado. Tu escreveu, talvez, o que eu queria escrever hoje. Gostei muito do texto!

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  2. Acho q o amor não é doloros.o nós o colcamos em situações assim.

    adorei.

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