sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Durante a Viagem.

Dessa vez eu não pude evitar. Ela agarrou-me por dentro das vísceras e arrancou-me o algo mais precioso que deixei guardado para quando você voltasse da primavera. Não me presenteou com esses livros que fazem todos chorarem. Não se lembrou de me trazer nenhuma lembrança da última estação. Nem ao menos uma flor murcha para eu poder lembrar um pouco mais de você.

Foi assim. Como um sopro gelado de outrora que perturbou meus pés que tentavam se manter quentes debaixo do cobertor. Um suspiro inesperado me rasgou o silêncio e tirou-me da cama. Viciando meus ouvidos. Enfeitiçando minha boca da saliva quente feito pimenta vermelha no batom borrado sangrando de outros beijos. Esse gosto molhado de suor que pude provar nas costas dessa maldita me deixou morrer jogado no chão esperando um pouco mais para saciar-me. E não pude evitar.

Esses semblantes doces que dançavam entre as cortinas desse quarto me tiraram para dança enigmática que não pude decifrar os passos nem muito menos a melodia. Era tão sem ritmo. Sem batidas organizadas. Apenas o dançar mal ensaiado e perfeito por completo dos nossos corpos se penetrando debaixo do fogo daqueles lustres vermelhos. Essa cor parece que me hipnotizou. Não me deixou nem ao menos pensar nos meus atos e fatos. Não me deixou escolhas e opções. Deu-me somente o gozo intenso desses sentimentos que agora custo em encontrar.

Tudo mentira. Primeiro ela diz que vai me saciar. Depois promete retornar para os meus braços numa noite qualquer desses invernos e infernos. Faz-me beber do vinho mais doce. Logo, eu juro descontrole. Ela não se importa. Diz que está tudo sob seu domínio e me dá colo quando preciso desabafar. Eu choro quando percebo a dor que causei ao meu íntimo e o maltratar dessas orgias dentro do nosso relicário. Ela finge não se irritar e com um nervosismo absolutamente aparente jogado nas suas sobrancelhas que dançam sem música, tremelicam, deixa-me cair no chão frio. Cara amassada. Machucada no tão duro. Misturando-se na poeira vadia dos últimos dias com teus sapatos desfilando pelo tapete. Ela se pronuncia. Diz que vai embora. Diz que vai me deixar pensar na tolice e no martírio que causei por este devaneio. Não sei como explicar. Ela me toma de uma forma que me deixa vulnerável com meus próprios atos.

Choro novamente. Agora sem colo. Penso na fotografia da última primavera que você me presenteou. E isso me dói. Penso na morte dessas músicas, cartas, manchas e cheiros que decoram nosso canto. E isso me dói. Penso nos beijos desses verões e amores de outono. Penso nas nossas tardes roxas grifadas no céu. Penso no amanhecer dos nossos braços debaixo dos altares. E tudo isso me dói. Arde como brasa rubra que queima em minha consciência. Seca meus lábios de vergonha e os rasgam. Queima minha inocência e joga fora todos meus desejos feitos quando descobrimos as estrelas cadentes. Destrói até essas minhas estrelas que um dia cultivei apenas em segredo.

Então percebo. Nada mais tenho, a não ser esse cigarro, essa roupa manchada de sexo e essa maldita fraqueza que não me deixa dormir. Quando menos espero, ela sai disfarçadamente e bate-me a porta com uma força que não é bruta. Estrondo que estoura meus tímpanos. Tira-me os vocais. Ergue minha impaciência. Fazendo-me voltar à realidade e me afunda mais ainda. Quebra minhas noções de liberdade. Joga fora minha pouca vergonha. Cospe na minha cara o meu sufoco. Não recita as palavras que tanto quis escutar depois dessa pérfida relação. Essas palavras que justificam nossas faltas, que arrancam nosso medo do fim, recolhem nosso fracasso.

Sujo, me visto com pouca roupa. Tento esconder essa cara inchada pelo orgasmo. Fumo sem saber outros três cigarros. Meto-me dentro desses conhaques a fim de justificar minha ausência de fidelidade. Tento jogar fora essa vergonha que me sangra as bochechas. Mas nada adianta. Se eu pudesse ao menos esquecer esta última dança? Mas a música de suspiros lateja ma minha alma desonrada. Mete a certeza na minha cabeça de que meus olhos vão me entregar quando você chegar. Sinto que eles farão o que não quero fazer. Dirão tudo que eu prezaria no silêncio. Tudo que eu esconderia no calado. Pressinto que até o que guardei pra você eu não vou poder deixar em cima da cama. Liso. Quente. Perfumado. Nem essa baboseira de amor que um dia acreditei, vou poder cultivar mais com suas flores que ainda sei que vais trazer dessa primavera. O não saber de nada. Mato minha dignidade com pequenos instantes. E isso me dói. Aqui, quieto esperando o barulho das chaves brincarem na maçaneta da porta e a poeira dos teus sapatos invadirem esse quarto. Meus olhos ainda continuam calados, por enquanto. Sem contar minha deslealdade.

Júnior.

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