sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

O que se perdeu!

Ela entrou no carro preto tingido de poeira sobre o sol de meio-dia. Os pingos de suor na sua testa faziam parecer-lhe uma senhora que trabalhara o dia inteiro e esperaria pelo seu marido com o jantar na mesa. Quente e saboroso, esse amor, esse jantar. Apenas o da trabalhadora.

Conferiu as malas, novamente. Tudo no lugar, tudo dentro, tudo separado do jeito que ela precisava e se sentia melhor. Sentiu inveja daquilo que estava conferindo. Usava a blusa xadrez azul que ganhara do seu namorado. Perfumada e atraente, olhou-se no retrovisor e viu o quanto estava se derretendo nesses últimos dias de inverno íntimo dos seus olhos. Chuvas durante três noites e três carteiras de cigarro. Nada sobrava dessas mal dormidas. Apenas a maquilagem borrada diante o espelho e o cinzeiro pedindo socorro pelo excesso. Excesso de tudo, eu digo. Dos cigarros queimados, da sujeira que estava a sua vida, dos amores que passeavam pelo apartamento e atormentavam-na durante essas noites.

Com os olhos no espelho borrado pelo mormaço, percebeu o que não tinha se borrado na ultima manhã. Pois não havia choro naquele dia, e ela estava decidida, que se alguém chorasse, não seria ela. Estava cansada dessas traições. Dessas coxas perfumadas de outros corredores. Dessas barbas roçando-lhe o juízo e a bunda. Ele precisava saber de tudo. Precisava saber o que havia sido escolhido para a vida dos dois. Ele tinha de saber o que foi sofrido e o que se perdeu no meio do caminho entre banquinhos molhados de conhaque e de gozo.

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