sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Outubro de Manhãs e Amores.

Penso no que foi transformado nesses últimos dias. Tornei-me um menino que está em busca de um mundo de fantasias sem perder a minha realidade sóbria que está desenhada no fundo de uma garrafa. Nesses botecos, nesses banquinhos, nesses espelhos que refletem uma luz colorida sobre meu rosto, penso nas pernas que não estou querendo mais roçar na barba. Penso nas bundas que não estou precisando apalpar para me sentir desejado e com o poder da posse por aquilo que nem é meu. Penso nos falsos beijos que eu não precisarei dar entre corredores mofados pelos sexos distorcidos de pura falta de amor próprio. Tudo fede, tudo se derrama nas mesas, tudo borra de mancha escura e sem vida minha contemplação por mim mesmo. Até o agora/outubro chegar trazendo essa sensação resgatada que, talvez, eu nunca a sentira antes.

Quando essa lua iluminou minha pele nua misturada com esses lençóis gozados depois de mais uma noite de amor solitário, eu não tinha percebido o quanto eu estava brilhante nesse espetáculo fabuloso que mais parecia ter saído dos livros que eu li quando criança. Tudo delicado dentro dos lençóis úmidos. Minhas coxas quase azuis de tão brancas naquela maciez que camuflava minha indecência pareciam um ninho de amores passados-inacabados tentando achar um espaço naquele show de pernas e lua. Tentei não olhar para aquela cena medíocre de auto compreensão, mas não resisti. Sou muito curioso. Tenho a necessidade de estar sabendo disso daquilo de outro de tudo que me rodeia. Tenho de estar com os ouvidos latejando de enxerimento para ouvir aquilo-que-não-foi-dito-quase-engolido-de-arrependimento. Porque assim eu saberei daquela boca o que se passou em mente em poucos segundos que não escorreram pela saliva a fora. Aquilo que poderia ter me matado ou me encaminhado ao paraíso cheio de flores e bem-me-queres num jardim que eu poderia ter ganhado com as flores/palavras não ditas.

Quero sempre espiar pelo buraco do lençol essa briga de pensamento versus lua iluminando coxas. É algo mais forte que minha própria vontade. Essa vontade-obrigação segue-me entre carros e avenidas vazias de gente interessante. E a dou corda e chave pra ela entrar e dizer tudo que pensa sobre mim, porque assim eu vou estar informado sobre mim mesmo.

Parece, às vezes, que as pessoas/coxas/lençóis/luas sabem mais de mim que eu próprio. Isso é o que me mata, quero saber o que sou dentro desse cenário onde eu deveria ser o protagonista da peça que eu mesmo escrevi. E não sou destaque, nem nunca quis ser, mas o meu canto no palco eu sempre quis ter com uma luz me deixando ser visto por tudo e por todos. Pelo menos essa da lua. E isso não é tentativa de aparecer, é apenas meu desejo de deixar gravada minha participação nesse teatro de vida real muito mal ensaiado tendo em vista sempre esse improviso que faço um malabarismo com quatro mãos e pés e olhos e bocas e línguas e todo o meu resto.

Depois da luz, lua e lençol, não consegui dormir por muito tempo. Na verdade acho que, no mínimo, cochilei o tempo necessário para babar na fronha amassando minha cara. Sei que ainda sonhei com um amor que tava mofando ali na geladeira junto com os morangos de Caio F. Pensei ter visto eles se estourarem dentro da minha cabeça junto com esse amor, se é que eu posso chamar de amor. Mas não vou falar do amor em si, não desse que ponho em dúvida a sua existência. Sonhei, nos minutos apagados com muito mais luz, agora pela manhã. O amor passado de inconstância me visitou e deu-me um beijo no canto da boca. Primeiramente nos cruzamos pelo corredor da minha faculdade e depois ele entrou na minha sala me chamando para conversar e ouvir minha voz e sentir meu perfume cítrico e me fazer gozar com seus olhos escuros e me dizer que estará tudo bem, assim que eu acordasse. E esteve. Eu acordei com ele na cabeça me chamando para dançar numa valsa real onde eu não me importava com seus pés para não pisar ou machucar. Apenas queria dançar livre ou acompanhado porque tinha encontrado outro alguém pra ter as formas do amor, agora, no amor presente. No meu sonho, ele, o amor passado, tinha me dito coisas bonitas que eu queria escutar de um alguém, aquelas que fazem o seu coração bater mais rápido, no pulso das piscadas de olhos do outro amor, fazem sua barriga gelar de tanta emoção, suas mãos suarem e seus olhos se encherem de lágrimas. No entanto, não movi nenhum músculo e nenhuma gota de gélido ou lágrima foi suada na minha barriga ou r. No fundo, eu sei que essas palavras chegaram ao meu ouvido tarde de mais, e quando isso acontece não me importo muito com o ritmo delas e com sua sonoridade calma e sedutora, mas sim no que já foi passado e morto e enterrado e quase esquecido. Sei que na manhã que chegou, eu quis o meu amor presente, e isso foi o que me bastou para me alimentar matinalmente no dia de hoje de lua de lençol de sonho e de amores.

Apenas sei que o amor passado foi se embriagar de vez e terminou esquecendo meu nome numa mesa de bar. E eu aqui, pelado na cama com luz, lua, lençóis e amor presente. De manhã, com muita sede dos meus olhos novos que me fotografam assim, despido, com muita fome da boca que me alimenta de saliva, com muita ânsia do toque do fio de cabelo cheiroso feito de orvalho nessa manhã de amor presente.

Sinto o cheiro do café sendo preparado e isso me abre o apetite. Tenho muita fome, seja lá do que for. Quero comer o pão fresco com manteiga e bolachas doces e café bem forte de açúcar e coxas de sobre-a-mesa e bunda de entrada e amor presente me preparando essa fome matinal que tanto me enche de alegria pra essa rotina monótona que tanto está passando pelos becos e avenidas desse quarto/cama/vida/dia-a-dia, dando lugar ao bloco da auto estima elevada a N, transformando isso tudo em outubro. Será que estou acompanhado nesse mês de café e dança e manhãs e lençóis e luz e lua e amor presente?

Tenho muita fome, e estou lambendo os dedos de doce de café e as migalhas de pão fresco sobre a mesa. Não quero perder um grão se quer deste amor presente que me mata a fome todas as manhãs. Servidos disso tudo? De fato, eu não consigo saciar minha vontade extrema de estar dentro deste presente. Ele foi me dado assim, calmamente, num dia qualquer no mês de outubro entre garrafas de cerveja, cigarros e coxas dançando para lá e para cá. O lugar ideal para tudo acontecer. Sem querer dizer que acredito nessa coisa de lugar ideal. Eu dei uma ajuda ao destino para juntar nós dois, se é que também posso acreditar nele. Quando aceitei o presente passado de outras mãos para o meu colo. E ele quis se alojar por um tempo indeterminado. Eu, agora, cultivo essa raiz no meu ventre, prestes a parir um carinho e um toque na sua testa suada depois de um pesadelo ou trepadas entre cama-mesa-banhos. O deixo ouvir meu suspiro que se entrelaça ao som dos sabiás cantarolando o nosso romance presente amor. Um brinde de café ao outubro, amores passados, amores presentes e essa lua que tanto me visita derretendo meus pensamentos. Eu simplesmente sinto, não penso. E isso tudo me basta.

Um comentário:

  1. Menino amei, apesar de extenso (o que não me incomoda nem um pouco) ele é tão curtinho, a gente lê que nem sente passar. Eu tenho um pouco de medo do erotismo, mas o que li aqui é tão sutil, gostei.

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