sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O lembrar mucoso.


O lugar ainda continua o mesmo daquele menino que soterrava seus soldados de brinquedo na lama do quintal da antiga casa.

O mesmo que o grande menino desenhava com suas folhas secas de outono e giz de chão barrento.

O mesmo que o sonhador menino pintava seu rosto com as cores de um teatro vivo.

O momento ainda continua o mesmo daquele singelo palco onde viviam as suas efêmeras posições em relação a um romance.

O mesmo onde ele se perdeu num abrigo de cheiros e sons convidativos para uma noite bem dormida.

O mesmo onde se estranhou nas medidas incertas do amor.

O tempo ainda continua o mesmo daquele corredor quando os quadros parados observavam um amor inútil e insolente.

O mesmo quando o incenso doce e ácido pairava sobre dois corpos suados.

O mesmo quando a lua espiava silenciosamente pela janela um carinho que o tal pensar fazia eterno.

O hoje? Sim. Este, eu creio que mudou.

Não há mais a simetria daqueles lugares sedentos por algo isento do aquilo raro que se transformava feito fumaça ao sair da minha boca.

Não há mais a simplicidade dos retratos simbólicos daquela realidade pura que andava sonhando numa tarde calma depois do almoço assassino da minha fome.

Não há mais nada além de cartas mal escritas com músicas/rimas repetidas, desenhos surreais desbotados e comidos por traças, palavras penduradas num fio de lembrança no meu telhado, sons estranhamente entrelaçados nos meus lençóis úmidos.

Não há nem sequer este silêncio que tanto me julgam ter entre bares ao som do samba mais triste, avenidas em pleno carnaval contentado, nas noites de gramado em plena lua, nas cantorias de textos improvisados com tamanha falta de inovação.

Nada restou no antigo relicário. Se é que o mesmo um dia existiu.

Restou o fato, o ato, o trato. Maus feitos e mal retratados. Nunca consumidos ao meu almejar. Nunca no meu silêncio. Nunca na retina da minha doce simplicidade para o amor que se estragava.

E se algo ainda existir. Dentro de mim ou fora desse corpo. Na minha mente ou entranhado na parede do meu quarto. Nos meus discos mal cantados ou na minha garganta dilacerada...

Será essa merda que sempre quis deixar arranhando-me durante o sonho.

Esse catarro que eu sempre quis grudado no meu esôfago.

Pigarro. Limo. Aquele. O do verde. O do roxo.

O do bem podre e viscoso.

Que não me deixa gritar.

Que não me deixa falar.

Que não me deixa mentir.

Que não me deixa engolir essa porcaria de comida pegajosa que tanto me faz lembrar o seu modo mucoso de oferecer palavras/atos/flores/desenhos/gestos/carinho...Sempre mal ensaiados.

Junior

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