sábado, 6 de novembro de 2010

A fome e o frio da falta.

Hoje foi dia de frio. Não aquele gélido que comparamos com algo enfermo. Foi um frio bom – convidativo – que me abriu o apetite logo pela manhã. O lençol ainda estava suado e penso que estive com febre na noite passada. Uma poça d’água se formou na fronha – saliva – picolé derretido de baba. Acordei puxado pelo arrepio que me fez enrijecer os mamilos e todo o resto. Saí cambaleando da cama com minhas meias coloridas de desenho animado que de primeira vista faziam-me parecer uma criança estranha no meio dos brinquedos. Esbarrei nos livros que deixei no chão. Espalharam-se idéias. Olhei no banheiro o meu rosto amassado no espelho abafado e meio soado. Li saudade nos olhos que me fitavam. Escovei os dentes com aquela pasta com gosto de chiclete. Sorri, mas não houve felicidade. Apenas o sentir da falta do algo com uma anemia de alegria. Turvamento de lembranças. Comi as torradas que estavam quase esfareladas de ontem. Acompanhei a fumaça do café quente no ar. Doce-meio-forte-demais. Calcei minhas sandálias e cai no mundo.

Houve chuva. Não houve pombos. Não houve insetos coloridos. Nem pessoas na rua. Apenas houve chuva. A dança das árvores com a falta de vento. Trouxe consigo aquilo que foi pairando sobre minha epiderme. Gotas de nuvens dissolvendo o desejo de fome de companhia, a fome de Lispector.

De olhos fechados, na chuva – com fome – permaneci, formei sua imagem ao meu lado. Segurei a sua mão. Vi ainda seu rosto rindo tornando-se parque de diversão para os pingos que caíam. Senti seu calor no frio. Senti até teu cheiro misturado com o da terra molhada. Depois houve apenas o frio. Não aquele gélido ar que comparamos com algo enfermo. Esse eu senti com a roupa molhada grudada no corpo. Mas foi o frio bom – o convidativo – o que me abriu o apetite de presença. Essa, a qual eu não consigo ter numa simples chuva.

Sinto que o amo. O frio. Amo essa sensação de dor misturada com lembrança/projeção para o futuro breve. Amo o que quero gritar para a rua quando sinto arrepiando-me os pêlos. Amo o que me faz querer tua presença na chuva. Amo esse frio que é tão incrível.

No entanto, penso: Devo sair da chuva para não ficar mais doente que estou; Devo esperar você chegar para matar a minha fome. Meu apetite está insaciável e com esta chuva e este frio só o fazem aumentar. Vou para casa, estou decidido. Minhas meias de desenho animado, meus livros espalhando idéias, o chá morno-meio-fraco, o cigarro e o sofá quente, tudo no aconchego me espera. Espero. Mas ainda continuarei com fome.

2 comentários:

  1. é q a saudade só passa quando se come a presença. concordo com clarice

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  2. a saudade só passa quando se come a presença. concordo com clarice. [2]

    adorei mesmo os passarinhos no fio telegráfico.

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