quinta-feira, 15 de abril de 2010

Indisposto!



Ele já não estava tão disponível para o amor, ou pelo menos queria mostrar isso para o mundo nas ruas e avenidas. Já tivera sido romântico de presentear com flores, sedutor de olhar fundo e beijar mãos de donzelas, cafajeste de chamar de vadia na hora da relação amorosa. Já vivera tantas outras coisas dessas de sentimentos que, de fato, não sabia se vivera o amor ou algo forte, intenso, comum. Já se cansou de tantas voltas de um motel ou uma farra com a sensação de nojo do seu íntimo ou indignação por ser tão “bobo”, já que depois de ler um texto de Clarice se denominava assim.

A vida, por mais que lhe fosse válida, parecia, agora, um sistema involuntário que seguia mesmo quando ele estava estagnado no tempo. E como não tinha aprendido a lição que os desencontros de harmonias entre sentimentos forneciam, saía mais uma vez procurando coxas, bundas, lençóis, orgasmos, nojo do seu íntimo e indignação, mais uma vez. Parecia que sentia prazer em ter falsas projeções de novas paixões que aconteciam todos os dias. Em um corredor da faculdade. Em uma calçada com um mendigo. Em um balcão de bar. Sempre. Novas paixões.

Chegou em casa com seus sentimentos inflamados e sentou-se no sofá desbotado pelo tempo. Quis pensar em algo para fazer. Seu estômago o fazia desinteressar-se para as memórias ou planos, depois de uma madrugada entre lençóis e braços de um qualquer alguém. Jogava suas calças desbotadas e sua camisa de Janis estampada na cadeira que ficava encostada no sofá e escorregava a mão para coçar a bunda forrada da cueca branca boxer. Deixava seus óculos rachados em uma das lentes caírem sobre os livros bagunçados em cima da mesa que tanto sua mãe implicava para organizar. E caminhava com os pés gélidos na madrugada para um banho. Tocava seus cachos negros encaracolados que não queriam aparecer. Roçava sua barba mal feita na palma da mão que tanto coçava. Via no espelho os olhos de menino voador que não existia mais. Tomava banho. Retirava o suor dos outros corpos da sua epiderme, mas não conseguia retirá-lo do seu peito nem da sua mente. E isso o perturbava. Fazia um chá. Abria a janela. Sentia a cidade desfrutada por aqueles que já amavam e eram amados. Quis fumar um cigarro, mas não pôde. Não fumava de costume e não tinha nenhum na sua bolsa ou calça. Lembrava ainda que não seria bom sua mãe ver tamanha atrocidade. Era um menino pacato, simples, obediente. Então apenas ligou o rádio numa estação qualquer. “Eu vejo o futuro repetir o passado. Eu vejo um museu de grandes novidades. O tempo não pára...” No mesmo instante quis entrar em contradição com a letra. Especificamente com “o tempo não pára”- ou de fato pára?-. Percebia que o tempo estava estagnado em sua garganta, no canto da sala, nos livros de Clarice, nas cordas do violão, nas fotografias do seu mural.

Lembrou os sonhos de menino voador que cultivara a tempos atrás, como ter uma biblioteca na sala de estar, virar vegetariano, morar no campo, aprender libras e talvez Braille...Houve silencio contínuo. Não lembrou mais.

Olhou para a palma da sua mão que refletia a inconstância das suas sensações. Olhou o copo de chá, agora frio, amassando a toalha da mesa. Olhou a camisa de Janis estampada e viu que nada parecia como seus sonhos. Morava em uma casa que não tinha certas divisões. Comia bastante alimento de origem animal. Morava na agitação e impaciência de uma cidade pacata e mal sabia expressar com palavras seus sentimentos.

Viu que apenas um alguém ou o seu próprio consigo havia modificado seu íntimo. Talvez os amores inacabados que forçavam-lhe a modificar formas de pensar, agir, “amar”. Viu que sua garganta um grito ficara preso depois das noites de sexo com estranhos conhecidos amores. Viu que no canto da sala um vento não podia correr livre. Viu que não sabia mais interpretar os textos de Clarice. Viu que as cordas do violão não tocavam mais o som doce da sua juventude com amigos em rodinhas depois da aula. Viu que as fotos do seu mural não gritavam momentos felizes do seu passado, e sim, remotas lembranças. Viu que estava mudado. E sentia-se muito mal por isso. Quis chorar, mas não se permitiu. Levantou-se do chão. Desligou o rádio com a canção contraditória da sua situação. Deitou seus cachos negros encaracolados que não queriam aparecer no travesseiro amigo e companheiro de tantas noites entre orgasmos solitários e canções de amor graves pela voz de sono. Sentiu vontade de ligar para alguém. Não o fez. Apenas adormeceu para o amanhã desinteressante.

Júnior

3 comentários:

  1. Sabe que eu conheço um cara de cachos negros encaracolados e, pelo que sei, é um individuo bem patricante da 'troca de calores'?
    Pois bem, depois desse seu texto eu vou ficar com essa projeção dele... até o dia em que comprovar que ele não é bem assim. E isso requer um bom tempo... kkk

    Abraço.

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  2. Acho q senti uma dor por esse homem.

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